quarta-feira, abril 24, 2002

O Testemunho





- Arrunego d’aquela que, dizem, eu não seio, não juro, qu’e, mula de pad’e, Kuk! Kuk! Kuk! Kuk! Kuk! (gutural) Cruis! Eu t’arrunego treis vêis! Cruis da bracafusada, da encrenca da tua pantaforma! Eu so seio dizê qu’era n’um dia de sexta-feira de corésma. Era bem tarde já. Eu e mamãe, nois tinha cabado de chegá em casa, ô dispois das encomendação das arma. Nois é vinha de carreira, coge mortas d’assombrada. Mamãe, coitada, esta cahio na porta da rua, de bruço, que nem genipapo maduro, em conto eu destrancava a porta. Entrou arrastada nos meus braço, tremendo cumo vara verde, cansada em tembos de deitá a arma p’la boca. Non vê, que conde acabou-se c’ao encomendação, qu’era na rua de riba no cruzêro da Boa Morte, cada um dos companheiros pitou seu fumo e tomou seu rumo e nois também tumemo o nosso. E nois é vinha puxano muito e nois morava longe no fim da vila.

Mali fiquemo só, condo uvimo uma matinada qu’é vinha da rua de riba, e mamãe disse logo:

- Minha fia, queira Deos nois não temp hoje córqué branquifeste! E eu fiquei logo me temblano, sipono o que seria. Medo, que Deos dava! E puxa que puxa! puxa qu’e puxa! Tira que tira! quisape, quitrape!... que a arma stava pra sair pla boca! E o trem lai vem e nois demo pra corrê. Panhemo nas mão os chinelo, botemo a saia pla cabeça e metemos o arco. E o trem atrais de nois! Pramode coisa que nos vio, e avançou c’uma tricusana, c’aquela bataria que chegava a tremê a terra. Eu não sabia o que era, mamãe, antonce, foi quem conheceu de longe.

- Minha fia, stamos perdida! E eu pensei logo qu’era difunto.

- Aquilo é a mula sem cabeça, disse ela, parano. Não corre mais não, qu’é mais pió. Deita-te de bruço n’areia, cobre bem a cabeça e esconde as unha dos pé e das mão. Se ela vié e nos cherá, não tem nada.

- Mas, mamãe, a tribusana é grande, l’evém aqui perto... e pramode qu’é duas tribusana?...

- Cala boca, menina, deita! por Nossa Senhora!

E nois... bucutu! n’areia, na beira d’um fedegosal.

A lua stava quilára que nem o dia! Conde nóis fumo deitano, a tribusana parou coge perto de nóis núma encrenca... fim! ai! ui! Era duas mulona.

Vinha tinino aquela ferrage, numa latomia, c’uma pantomia que fazia horrô. Eu acho que uma sentio o bafo que o vento trazia da outra, e por isso foi que uma parou, esperano. A outra, a de riba, nam mancou! Foi chegano e aqui no contenente arribou-lhe uma bardelada na outra, que foi de quarto abaxo, que chegou escanchá. En trancaro uma briga que fedeu chamusco, aquele fedozão de enxofre. Eu arribei bem, antonce, a ponta do lançó da encomendação pra vê. Uma bruziguiada do inferno! Coge qu’assimbro, condo fui dano c’os oio na bicha.

Era patada e dentada que saía aquelas lasca de fogo! Arreparei bem as duas porcona, as duas mulona, cada qual có duas estrela na testa. Era fogo só! E elas, papu brucutu! Papu brucutu! Dava roncos e rinchava que parecia dois bichos feróis, dois diabo em pessoa. E batero ferrage!!!... batero ferrage!... brigaro horas larga, que cum poucas o galo cantou.

Aqui, cond’o galo cantou, apartaro a briga, e uma correu pra riba, outra pra báxo, que sumiro n’aquela mundaça.

Antonce nois lavantemo; e, pernas pra que te tem?

Cheguemo em casa pra morrê, e o trabaio malhó que deu-me pra socegá mamãe?

Conde nois estava para deitá, batero na porta cum força.

– Quem bate?

- É de páis.

– De páis quem?

- Eu, fulana!

- Ah! Ah! Ah!

Mamãe, que, por inlivia, sabia mais ó mêno do causo, me coxixou-me em segredo, pondo os dois dedo na boca.

– É dona fulana. Ela é que é a mula sem cabeça que nóis vimo.

– In cumas, mamãe? Proguntei eu por aqui assim indimirada e báxinho: dona fulana!?

- Não quero vê promoves, eim? Tu fais que não vê, que nada sabe; eu vou abri a porta e tu não te alavanta, nem pru sonho. E sahio e foi abri a porta.

Eu, pan! Fiz que estava drumino e roncava... de mentira.

Mamãe destrancou a porta e conversou báxim qu’eu não uvi. So uvi mamãe dizê: não tem ninguém.

A muié entrou gemeno; estava que fazima last’ma. Oia? Cada lápo d’est’amanho... no corpo todo! A outra mula era valente, e eu acho que trazia navaia e era d’outra freguesia.

Comeu a outra em vida que não mancou e coge a mata. Nam foi nada; subiu pra riba da cama e babáxo de muito segredo (aqui pra nóis), o vigáro, ô dispois do causo passado, que soube, veio in nossa casa, horas morta, e levou antonce pra casa d’ele a tal fregazona d’ele. Antonce, conde se proguntava, se dizia qu’era catarrão cum feverão. Ela se maldizeno, contava de semp’e à mamãe a sua sina. Coitada! Tinha uma má sina. Muitas vêis quisera largá o pad’e; mas porém, a sina dela puxava e ela, que só dava pr’aquilo, não tinha remeidos a dá. Hoje ninguém vê mais disto (qu’indas hai)! Mais, n’outro tempo, cumo no meu, era um risco! Deos amostrava muitos inzemplos. Ainda hai a mula sem cabeça; custa muito, mais porém hai. Essas coisas de Deos um fum!... ninguém deve marmurá. Mamãe veio sabê, ô dispois muito tempo, qu’essas gente são iscomungado. O pad’e que se mete c’ao vida d’essas tafula, desneque alevanta da cama, o premêro Deos te sarve e o premêro pilosiná é inscumungá ela sete vêis, antes de rezá. Condo reza o breviaro, sete; antes de carça o chinelo, sete também, qu’é pra levá pra igreja a fulaneja debáxo dus pé; antes de começá a missa sete; serte antes de tocá na pedradela; sete ante o premêro donozobisco; sete no mei’ da missa; sete no alevantá do Senhô; sete antes do cale, sete ô dispois que acaba a missa. E tudo isso em sete coresma ele é obrigado a fazê. Que conde interá as sete coresma e sete sexta feira, na béspa, é hora da fulanda, a tafula, virá a tal mula; sem ela esperá (n’uma sexta feira é que começa); chega cuma doida no monturo, tira a roupa toda, põe na cerca, esfrega pra lá, prá cá; que cum poucas non tem que vê; rompe na mundaça aquela bixa!... Sete freguesia! Tem de corrê o fado sete freguesia! Quem pegá uma mula d’esta, estano de tocaia, é acendê uma velha branca benta, si tem corage, pruque o causo é feio e escaroso. Vem batê em riba, non tem que vê; mas porém, é muito riscoso. Só a ferrage d’ela... umfum! Ai! Ai! Os óios nossos c’oas unha é candeia pra elas. Condo se qué sabê si uma tafula está virano, panha-se um caco de teia e cobre o rasto dela n’areia, cond’ela vai pra missa, e fica-se de mamparra até que ela vorta pru onde já passou. Retira-se ô dispois, o caco que é de se vê o rasto de um burro ferrado. Custa muito virá a mula, ispramentes as que não se chama Ana. Estas vira de sete ano.


(Ambrósio, Manuel. Brasil interior. p.50-53)

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